Oração criada em Roma, no dia da Anunciação da Virgem Santíssima, em 1379. (Catarina tinha 32 anos)
1. Ó Maria! Maria, templo da Santíssima Trindade, Maria, casa da chama divina, Maria, Mãe da misericórdia, vós nos trouxestes o fruto da vida; vós salvastes a raça humana, pois foi através da vossa carne que o Cristo nos remiu. Sim, Cristo nos resgatou por meio da sua Paixão, e vós nos resgastastes com as dores da vossa alma e do vosso corpo.
Ó Maria, sereno oceano, ó Maria, fonte da paz!
Maria, vós sois a nova árvore que nos deu essa flor odorante, esta Palavra, este Filho único de Deus, que vos escolheu como terra fértil. Vós sois a terra e sois a árvore.
2. Ó Maria, carruagem de fogo, conservastes e escondestes as chamas nas cinzas da nossa humanidade.
Maria, vaso de humildade, onde brilhava a luz da verdadeira ciência que vos exaltou acima de vós mesmo, vós enlevastes o Pai Celestial e Ele vos extasiou; Ele vos cativou nos laços de um amor inefável e, através dessa luz, desse ardor da vossa caridade, dessa chama da vossa humildade, vós o suplantastes, e forçaste sua divindade a descer em vós. Por outro lado, sua bondade infinita para com os homens era cúmplice vossa.
3. Ó Maria, graças à luz que possuíeis, vós não fostes uma virgem incauta, mas uma virgem prudente porque perguntastes ao anjo de que forma poderia ser realizado o fato que ele anunciava. Não ignoráveis que tudo era possível na onipotência de Deus, e não tínheis dúvida alguma sobre isso. Dissestes "Como vai ser isso se eu não conheço homem algum?" (Lc 1, 34). Não se tratava de falta de fé, mas a vossa profunda humildade fez com que proferísseis tal pergunta. Vós acreditáveis no poder de Deus, mas pensastes que não éreis digna de graça tão extraordinária.
4. Maria, sentiste-vos perturbada com as palavras do anjo; parece-me, à luz de Deus, que não era por medo, mas por admiração. E por que estáveis admirada? Admiráveis a imensidão da bondade de Deus, e estáveis perturbada por ver como éreis indigna da graça que Ele desejava ofertar-vos. Esta comparação do vosso desmerecimento e da vossa aparente fraqueza com o milagre inefável da graça divina deixou-vos perplexa. E esta solicitação mostrou a vossa profunda humildade; não estáveis com medo, mas surpreendida com a imensidão da bondade de Deus, que comparáveis à vossa pequenez e à insignificância de vossa virtude.
5. Agora, ó Maria, vós sois o livro onde nossos princípios estão escritos.
Pois em vós brilha a sabedoria do Pai celeste, em vós encontramos a dignidade, a força e a liberdade do homem.
Sim, em vós eu vejo a dignidade do homem; porque quando vos contemplo, ó Maria, eu vejo que o Espírito Santo representou a Santíssima Trindade em vós, formando em vossa carne o Verbo encarnado, o Filho único de Deus.
Em vós Ele mostrou a Sabedoria eterna, que é O Verbo, a Palavra; o poder do Pai, que pode realizar uma obra mirífica; e a clemência do Espírito Santo, que, com sua graça e caridade, fez com que fosse consumado o inefável mistério.
6. Se eu medito sobre este ato gerado de vossos conselhos, ó Trindade eterna, descubro que vós tomastes em consideração a nobreza e a dignidade do gênero humano.
O amor fez com que vós, Trindade eterna, vos sentistes forçada a criá-lo; o amor vos forçou a resgatá-lo e a salvá-lo.
Vós provastes claramente que amáveis o homem antes que ele existisse, visto que quisestes fazê-lo como parte vossa, por amor; mas destes prova maior deste amor, quando vos entregastes a ele, revestindo-vos com os farrapos da sua humanidade. Poderíeis ter-lhe dado mais do que a vossa pessoa, e não tendes o direito de dizer à sua criatura: O que te devia eu? E o que eu poderia fazer que não o tenha feito? Sim, tudo o que, em vossos conselhos, a Sabedoria eterna havia considerado necessário para salvar o gênero humano, vossa inefável clemência o desejou e vosso poder o realizou no dia da Anunciação.
7. Vossa infinita misericórdia queria a salvação de vossas criaturas, ó Trindade eterna! E vós queríeis dar-lhes a felicidade perfeita, que lhes fora destinada, porque vós as criastes para que estivessem sempre unidas a vós, e para que usufruíssem desta graça plenamente; mas vossa justiça se opunha a isso, dizendo-vos que se fosseis misericordiosa, Trindade Santa, seríeis justa, igualmente, e que vossa justiça não seria transformada. A justiça jamais deixa o mal sem punição nem o bem sem recompensa. O homem não poderia ser salvo se não satisfizesse a justiça pagando a sua culpa.
8. Então, o que fizestes? O que decidistes? De que forma a vossa sabedoria eterna e incompreensível - para nós, homens -, permaneceu na verdade, realizando, ao mesmo tempo a misericórdia e a justiça? Que meio, que recursos criastes para nos salvar? Para a nossa salvação enviastes o Verbo, vosso Filho único. Ele assumiu a nossa humanidade, essa que vos havia ofendido, de modo que, sofrendo na nossa carne, Ele pudesse satisfazer a vossa justiça, não pela virtude da humanidade, mas pela virtude da Trindade unida à humanidade. O homem que havia pecado, foi absolvido diante da justiça, porque a misericórdia emprestou-lhe a divindade do Verbo para que sua dívida fosse paga.
9. Ó Maria, o Verbo que em vós se fez carne, manteve-se, no entanto, unido ao Pai, como a voz interior do homem; quando ela se expressa e se comunica, não se separa do coração. Não é esta uma prova da dignidade do homem, para quem Deus fez tão grandes e numerosas maravilhas?
10. Ó Maria, ainda em nossos dias, nós vemos em vós, a força e a liberdade do homem; pois foi após a deliberação da augusta Trindade, que um anjo vos foi enviado para anunciar o mistério dos conselhos divinos e para solicitar o vosso consentimento. Antes de descer em vosso seio, o Filho de Deus se dirigiu à vossa liberdade; Ele aguardou na soleira de vossa vontade, Ele submeteu à vossa deliberação o desejo de habitar em vós e não teria jamais vivido em vosso seio se vós não tivésseis dito: "Eis aqui a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra" (Lc I, 38) Tal atitude não é uma grande prova da força e da liberdade da vontade?
Nada de bom ou de ruim pode ser feito sem ela.
Nem o demônio, nem criatura alguma forçam a vontade ao mal, se ela não se torna sua cúmplice, e ninguém pode constrangê-la a fazer o bem, se ela quer resistir.
A vontade do homem é, pois, livre.
11. Ó Maria, o Deus Todo-Poderoso batia à vossa porta, e se vós não lhe tivésseis aberto a vossa vontade, ele não teria tomado a natureza humana. Ó minha alma, estás bem confusa, constatando que Deus fez uma aliança contigo e uma aliança com Maria.
Agora deves compreender que Aquele que te criou sem ti, não pode salvar-te sem ti, visto que Ele se dirigiu à vontade de Maria e que aguardou o seu consentimento.
Ó Maria, amor delicioso da minha alma! Em vós foi escrito o Verbo que nos dá a doutrina da vida; vós sois a imagem que no-lo representa e que no-lo explica.
12. Assim que a Sabedoria, o Filho único de Deus, se entranhou em vosso seio, Ele encontrou a cruz do desejo; e toda a sua ambição era a de morrer pela humanidade, que Ele desejava salvar tomando a nossa natureza. Esta ambição que Ele desejava satisfazer era uma grande cruz.
13. Ó Maria, a vós lanço o meu apelo e ofereço-vos as minhas orações para a Esposa [a Igreja] de nosso doce Salvador, vosso Filho bem-amado; eu vos imploro a proteção para o seu Vigário [o Papa], de modo que receba a luz que lhe seja útil para discernir a melhor forma de reformar a Igreja. Que os fieis se unam a ele; tornai o coração dos fieis semelhante ao seu, e que eles jamais se revoltem contra o seu líder. Ele é, meu Deus, como uma bigorna; seus numerosos inimigos o atacam com suas palavras e o prejudicam tanto quanto podem.
14. Rezo, igualmente e vos peço, minha Senhora, por aqueles que me destes; inflamai-os, pois eles são brasas ardentes que consumem vosso amor e o amor ao próximo.
Que eles possam ter, nos dias da grande prova, suas barcas bem abastecidas e bem dispostas para si e para os outros.
Rezo e vos peço por aqueles que me destes: em vez de edificá-los, eu sempre os escandalizei, os ofendi; em vez de ser um modelo de virtudes para eles, dei-lhes, apenas, exemplos de ignorância e negligência.
Mas dirijo-me, audaciosamente a vós, neste dia de graças, porque sei, ó Maria, que vós não recusais nenhum apelo de seus filhos. Hoje, ó Maria, vossa terra produziu o nosso Salvador.
Ai de mim! Eu vos ofendi durante toda a minha vida, ó meu amor; sim, eu pequei, ó meu Senhor; tende piedade de mim.
15. Ó Maria, sede bendita entre todas as mulheres, por todos os séculos, porque hoje vós nos destes a vossa substância, o vosso coração.
Por vosso FIAT (Sim), a Divindade está tão unida e incorporada à nossa humanidade, que nada agora pode separá-la de nós, nem mesmo a morte e nossa ingratidão.
Pois, como a Divindade permaneceu unida ao corpo, no sepulcro, e à alma de Jesus Cristo, no limbo, e logo depois, à sua alma e ao seu corpo, após a Ressurreição, nossa aliança jamais foi rompida, e jamais será, por toda a eternidade.
Santa Catarina de Sena, Doutora da Igreja
Preghiere ed elevazioni, Roma 1920, 118-120 (Orações e elevações), Roma 1920, 118-120